O mundo vive actualmente um momento histórico e trágico com a pandemia da COVID-19. Os impactos já são evidentes em várias dimensões da vida social, económica, e cultural em escala mundial e Moçambique não é excepção.


Em Moçambique as restrições e recomendações do confinamento social afectam a vida das pessoas de diferentes formas e vem agudizar as desigualdades e exclusão social, a fragilidade das políticas públicas e a lentidão do governo para responder a demanda no que concerne ao garante do direito fundamental e a protecção social dos moçambicanos, especialmente das Mulheres e das Crianças.


Em situações de guerra, calamidades e crises como a provocada pelo novo Coronavírus, mecanismos de assistência e de protecção da mulher e da criança revelam-se ainda mais caóticos e ineficazes, agravando ainda mais a situação de precariedade e vulnerabilidade em que estes grupos normalmente se encontram. Aumentam assim situações de violência doméstica, de abuso e negligência de menores, de exposição a maus tratos, exploração sexual, doenças, práticas tradicionais prejudiciais e ao trabalho infantil.


O trabalho infantil muitas vezes ocorre em virtude das desigualdades sociais, nas quais a criança ou a adolescente vê-se obrigada a ingressar precocemente no mercado de trabalho para a sua subsistência ou da sua própria família.


A situação do trabalho infantil em Moçambique é grave e alarmante. Dados publicados² indicam que mais de 1 (um) milhão de crianças estão envolvidas no trabalho infantil e a área que mais se destaca, é a agricultura, a caça, a pesca e a silvicultura com 79%.


O estudo mostra que a cidade de Maputo lidera no trabalho infantil no sector do comércio com 74,4%, seguido por Maputo província, com 38,8% e que cerca de 82% das crianças trabalham para aumentar as receitas e ajudar as suas famílias. Esta situação tende a tornar-se cada vez pior no período do Estado de Emergência associada a acções de requalificação dos mercados (como medida para mitigar a propagação da COVID-19), factor que obrigou Pais, Mães e outros cuidadores de menores a ficar em casa e, portanto, sem nenhuma fonte de sustento. Ora, não havendo fontes de renda em casa, as crianças são usadas como recurso para buscar o que comer, obrigando-as a fazer-se a rua, muitas vezes desprotegidas.


"Em tempos de crise, milhões de crianças em todo o mundo são empurradas para o trabalho infantil. A pandemia da COVID-19 veio piorar a realidade e o encerramento temporário de escolas que está á afectar mais de mil milhões de alunos e alunas em mais de 130 países "


O Fundo das Nações Unidades para a Infância – UNICEF e a Organização Internacional - OIT publicaram um relatório intitulado "COVID-19 e o Trabalho Infantil: Tempo de Crise e Tempo de agir,” indicando que a crise provocada pela pandemia da COVID-19 pode conduzir a um aumento da pobreza e a um aumento do trabalho infantil pois, as famílias usam todos os meios para sobreviver.


O Relatório COVID-19 e o Trabalho Infantil: Tempo de Crise e Tempo de agir explica que as crianças que eram obrigadas a trabalhar, incorrem também ao risco de trabalhar ainda mais horas ou em piores condições e, podem ser forçadas às piores formas de trabalho infantil.


De referir que o Governo de Moçambique aprovou em 2017 – 2022, o Plano de Acção Nacional para o Combate às Piores Formas de Trabalho Infantil. De acordo com este documento, as piores formas de trabalho infantil são:
a) A escravatura ou práticas análogas, tais como a venda e tráfico de crianças, a servidão por dívidas e a servidão por castigo, bem como o trabalho forçado ou obrigatório, incluindo o recrutamento forçado ou obrigatório das crianças com vista à sua utilização em conflitos armados;
b) A utilização, o recrutamento ou a oferta de uma criança para fins de prostituição, de produção de material pornográfico ou de espectáculos pornográficos;
c) A utilização, o recrutamento ou a oferta de uma criança para actividades ilícitas, nomeadamente para a produção e o tráfico de estupefacientes tal como são definidos pelas convenções internacionais pertinentes;
d) Os trabalhos que, pela sua natureza ou pelas condições em que são exercidos, são susceptíveis de prejudicar a saúde, a segurança ou moralidade da criança.

E para que se logrem os intentos na luta pela sensibilização ou até a irradicação do trabalho infantil e pelo entendimento das razões que levam alguns/mas petizes à rua pela busca do seu sustento ou de sua família, incorrendo até ao risco de se contaminar ou contaminar aos outros pela COVID-19, pois não usam as máscaras para a sua protecção, a equipa de comunicação do ROSC abordou-os nas avenidas Eduardo Mondlane e Avenida de Moçambique para um dedo de conversa para entender as razões que levam menores a rua, contrariando a ordem “Fique em Casa.”


“Sonhando com um futuro melhor”
Zacarias Pedro, de 11 anos de idade, frequentando a 6ª classe, uma criança que dia-após-dia se faz a rua com intuito de ganhar o seu alimento.
Zacarias contou-nos que se viu obrigado a usar a máscara todas as manhãs para se fazer a rua e assim vender amendoim torrado.
Encontramo-lo na paragem do Jardim por volta das 14:00, com uma pequena tigela cheia de amendoim e carregando consigo uma sacola contendo também no seu interior amendoim.


Zacarias, mal sabe o que é coronavírus e conta que os seus pais faleceram e agora vive com os seus avós Pedro Arnaldo e Maria Mulhanga.
Ele contou-nos ainda que os mesmos dependem do que vende para puderem se sustentar, pois os avós são idosos.
Mesmo com os apelos ditados pelas autoridades sanitárias e pelo Governo, para que as crianças fiquem confinadas em casa, a rotina deste rapaz é de quem leva uma vida normal, pois levanta da cama às 4 horas da manhã para apanhar transporte público até ao mercado grossista do Zimpeto, para comprar o precioso produto que vem prepara-lo para de seguida vendê-lo.


Durante a entrevista, Zacarias desabafa, afirmando que a sua vida era mais calma quando ainda tinha os seus pais vivos, mas depois da morte dos pais a vida ficou complicada e a situação veio agravar-se ainda mais com o surgimento da pandemia.


Os casos de contágios pelo novo coronavírus vão aumentando progressivamente e de forma assustadora no nosso país, aonde já se registam casos de crianças contaminadas e urge a tomada de medidas para fazer face a pandemia e criar condições e estratégias para retirar e assistir as crianças mais vulneráveis
Recordar que o trabalho infantil é impulsionado por diversos factores como a pobreza, desigualdades sociais, orfandade, exclusão escolar, entre outros mais, o que atrasa sobremaneira o desenvolvimento do país e perpetua de forma continuada a pobreza.


O trabalho infantil é uma autêntica violação aos direitos da criança e neste contexto é chamada toda a sociedade no geral, organizações da sociedade civil, o governo e outras entidades que trabalham na área de protecção da criança a cooperar e unir esforços para o alcance de soluções ou alternativas para acabar com este flagelo e garantir assim a materialização dos direitos da criança na sua plenitude, começando pela melhoria da implementação efectiva de leis e políticas públicas de protecção da criança e o compromisso de todos na luta para garantir o bem-estar da criança no país.

 

Fotografia: James Akena (Reuters)

 

 

 

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