Campanha "SOU NTAVASE: Fui Violada, Exijo Justiça!"Campanha "SOU NTAVASE: Fui Violada, Exijo Justiça!"SOU NTAVASE é uma campanha Contra a Violência Sexual levada a cabo pela Associação Sócio Cultural Horizonte Azul – ASCHA em parceria com a WLSA Moçambique e o Fórum da Sociedade Civil para os Direitos da Criança – ROSC.


O Fórum da Sociedade Civil para os Direitos da Criança – ROSC, convida ao Internauta a viajar pela Segunda Parte da História (verídica) do Caso NTAVASE.

                                                                             IIª PARTE

                                                 Fui violada, exijo cuidados, respeito e justiça

                                                  A batalha pela justiça e por assistência
A história de Ntavase mostra várias falências do sistema no apoio a vítimas de violência sexual e no enquadramento destes crimes. Ao revisitarmos o que aconteceu queremos lutar para que nunca mais estas situações aconteçam e que as instituições saibam acarinhar e proteger quem precisa e castigar quem interfere e ponha em causa os direitos de outras pessoas.


                                               Lutando por justiça e falta de assitência
Na sua residência humilde, uma casa arrendada, onde faltava de tudo para responder às novas necessidades para os cuidados da Ntavase, mãe e avó passavam as noites em claro sem previsão ou expectativa de dias melhores. E para piorar a situação, o crime permanecia impune, o violador ainda gozava de liberdade.


A batalha para que a justiça fosse feita, ver o violador preso, julgado e condenado exemplarmente, ainda estava por vir. Mãe e avó sabiam que não seria fácil, nesta sociedade machista e patriarcal, onde a violência sexual é normalizada e desculpada.
Dias depois, Ntavase, com muito esforço, seguindo as recomendações dos agentes do CAI do Centro de Saúde de Bagamoio, no dia 17 de Dezembro de 2019, com o devido documento, mãe e filha dirigiram-se à esquadra do Bairro T3, para proceder à queixa-crime contra o violador. Este foi identificado pela menor como sendo o tio da sua amiga e colega de escola e que vivia no mesmo bairro. Depois de se interrogar atentamente a menor, destacou-se um polícia civil para, juntamente com a mãe da menina, irem identificar a casa assim como o próprio violador, visto que a menor não sabia o nome dele. Chegados a casa do violador e mesmo usando a desculpa de que estavam à procura da amiga da Ntavase, a família do violador agiu com agressividade, tendo afirmado que a amiga da Ntavase não estava e que tinha ido passar férias sem data para voltar. Essas palavras soaram como golpes aos ouvidos da mãe da Ntavase. Ela não conseguiu controlar as lágrimas que lhe escorriam pelo rosto, pois a dor era imensa. O polícia que a acompanhava teve que a acalmar e, juntos, retiraram-se daquela residência, voltando assim para a “estaca zero”, pois sem a identificação do violador não tinham como dar andamento ao processo.


Com as dificuldades impostas pela família do violador, a mãe da Ntavase aguardou até o início do ano lectivo escolar de 2020. Foi à Escola da filha e pediu para falar com a amiga e colega dela e, apesar de já não estudarem na mesma sala, perguntou-lhe se ela se recordava do dia em que a Ntavase a fora buscar para brincarem de bonecas e um tio dela deu-lhe dinheiro para ir comprar bolachas. De seguida, questionou-a sobre o nome dele e a menina, sem hesitar, respondeu que tinha sido tio Emídio. A mãe partilhou essa informação com a Polícia. O processo de identificação e captura do violador foi acompanhado de perto pela mãe da Ntavase.


Como um procedimento protocolar, Ntavase tinha que fazer reconhecimento do violador. A menina foi obrigada a estar frente a frente com a pessoa que mais a aterrorizou e quase acabou com sua vida. De lembrar que, no momento da violação, tinha deixado bem claro para ela que não devia contar a ninguém e que caso descobrissem o ocorrido a menina devia dizer que não conhecia o sujeito nem onde moravam. Devia despistar, dizendo que a violação tinha acontecido na rua e que o violador estava encapuzado. Compreensivelmente nervosa, Ntavase olhou nos olhos do violador e ficou apavorada, tremia e suava de uma forma inexplicável. Não foram necessárias muitas palavras para que todos percebessem que aquele era o homem que havia feito tanto mal à pequena Ntavase, e que para ela representava a verdadeira personificação do mal. Corajosa, Ntavase confirmou que aquele homem tinha sido o seu violador!


                                                           O recurso à media e à Sociedade Civil
A família da Ntavase é uma família sem condições, sem posses. Sempre tiveram dificuldades de aceder aos serviços básicos e isso tinha-se agravado com a nova condição da Ntavase. Ela precisava de cuidados na sua nova condição de vida, imposta de uma forma cruel. E, a cada dia que passava, o estado de saúde da menina só piorava. Até que um dia, a mãe e a avó, já sem outra saída, temendo perder a filha e neta preferiram, de forma anónima, expor o caso nos media e pedir ajuda para os cuidados especiais de saúde, higiene e alimentação que a menina necessitava, assim como para ter respostas no sistema de justiça, de modo a garantir que o violador não saísse impune, visto que este estava sobre prisão preventiva.


Após a exposição da história da Ntavase nos media, das dificuldades que essas mulheres corajosas enfrentavam no dia-a-dia, Organizações da Sociedade Civil, mulheres singulares e anónimas que militam em prol da defesa dos Direitos Humanos, da criança, rapariga e da mulher, e em outras frentes, decidiram aproximar-se para perceber como apoiar e acompanhar a Ntavase e a sua família na luta pela assistência médica, medicamentosa e pela justiça.
Quando as primeiras pessoas chegaram pela primeira vez à casa da Ntavase, ela estava sentada no quintal, estudando com um colega, visto que naquela semana não tinha conseguido ir à Escola pois, na companhia da mãe, fora ao SERNIC da Matola para prestar declarações sobre o caso. Esboçou um sorriso tímido e triste, mostrando que se sentia desconfortável na cadeira, pois ainda estava dorida.
As visitantes sorriram para a menina que retribuiu timidamente e, a convite da mãe, entraram naquele quarto que é casa que ela partilha com a mãe e a avó. A seguir, a mãe relatou de forma resumida a história da filha. Era visível que ela continuava abalada com a situação, visto que a filha não apresentava melhorias e sempre reclamava de dores no ânus e na barriga.
As visitantes souberam que a Ntavase e a mãe voltariam ao hospital no dia 12 de Março, no Hospital Central, ao sector da Medicina Legal, para solicitar o laudo médico sobre a condição da menina, para aferir se realmente tinha sido abusada sexualmente ou não, pedido feito pela SERNIC. Procuraram saber como é que elas iriam ao hospital, a mãe respondeu que desde que haviam saído do hospital, em todos os acompanhamentos do processo, usam chapa e tinha que madrugar para poderem ficar no banco de trás.


                                                                  O apoio da sociedade civil melhorou um pouco o atendimento
No dia 12 de Março, data marcada para a consulta, um membro da Associação Sócio Cultural Horizonte Azul (ASCHA), foi buscar a Ntavase, a mãe e avó e levou-as para o Hospital Central, para obter o laudo na Medicina Legal. Entretanto, já se tinha articulado com outras mulheres, incluindo as da Saúde, no sentido de se criarem condições de a menina voltar a ser internada e receber cuidados médicos, pois era evidente que ela padecia de uma fístula perianal e que precisava de um atendimento especializado.


Foi um processo longo, mas graças ao apoio recebido, Ntavase voltou a ser internada. E desta vez teve assistência médica à altura, pois para além de olhar para os ferimentos e dificuldades de contenção fecal, teve apoio psicológico. Após os 5 dias de internamento, com o avanço da pandemia da Covid-19, ela mais uma vez teve alta. Contudo, recomendou-se que passasse a fazer fisioterapia, no sentido de se ver se as feridas do ânus cicatrizavam e os tecidos voltavam ao normal, sem ter que recorrer a uma cirurgia. Mesmo assim, mais uma vez, a Ntavase e sua avó, explicaram à médica que deu alta, que a menina ainda não havia melhorado, pois apesar do procedimento de bombagem do ânus, tratamento pelo qual passava diariamente, quando internada, continuava com dores e também sem sensibilidade para o controlo das fezes. Mas as medidas, face à ameaça de eclosão da Covid-19, eram claras, não só para ela, mas para as outras crianças, deviam sair do hospital. E mais uma vez, não lhe foi passada nenhuma receita com um medicamento para aliviar as dores e melhorar os outros sintomas.


Contudo, dois dias depois da saída do hospital, o desespero tomou de novo conta de Ntavase e a sua família, pois as dores voltaram e as noites em claro voltaram a fazer parte da rotina delas. Sendo assim, de novo pediram ajuda para ver se a Ntavase era internada mais uma vez. Com ajuda de uma companheira, conseguiu-se uma consulta com o especialista em fístula obstétrica, Dr. Igor Vaz que, de uma forma calma e carinhosa, conversou e observou a menina. De seguida, passou alguns exercícios que ela devia fazer ao acordar, no sentido de estimular o ânus a voltar ao normal. Mais uma vez, reforçou a fala do Dr. Atanásio, de que com fisioterapia e se tudo correr bem ela pode não precisar sofrer uma intervenção cirúrgica. Entretanto, passou por mais um exame, pois foi uma preocupação do Dr. Ígor Vaz aferir se à menina fora aplicado a terapia pós-exposição. Realizou um exame de HIV e também orientou para que se solicitasse que o violador fizesse o mesmo exame, a fim de se saber se não teria havido transmissão de HIV à menina. Ele ainda passou uma receita com a medicação que a menina toma até ao presente momento. Ntavase está a apresentar melhorias, continuando a fazer a fisioterapia.


Neste momento, está-se no processo de busca de apoio psicológico para fazer um acompanhamento à Ntavase e à sua família, pois os dois especialistas foram unânimes em dizer que ela precisava desse apoio e que também necessitava de mudar do local de residência, pois o trauma é maior estando naquele espaço e a menina não tinha como melhorar psicologicamente, o que também pode afectá-la fisicamente.


Dando seguimento às recomendações dos especialistas de saúde, com o apoio das contribuições de várias pessoas singulares, activistas das organizações que militam na defesa dos direitos humanos das crianças, raparigas e mulheres, a ASCHA conseguiu arrendar uma casa de um quarto, sala e casa de banho dentro no Bairro Intaka, onde a mãe tem um terreno perto, por um período de 4 meses. Neste momento está-se a mobilizar recursos para o pagamento dos outros meses até ao final do ano. Para além de apoio no arrendamento da casa, pretendem ainda dar uma ajuda alimentar e também criar condições para a mãe ter uma actividade económica para responder às suas necessidades e às necessidades da filha no futuro. Tudo isto, enquanto se aguarda que o governo se responsabilize pelas duas.

 

 

 

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