A campanha sou Ntavase tem como objectivo principal chamar à atenção das instituições públicas, fazedores de política, activistas sociais e a sociedade no geral sobre a necessidade de falar, agir e cuidar das crianças, raparigas e mulheres vítimas de violência de género com enfoque para a violência sexual.
Nesta semana a campanha acompanhou um caso de violação onde a vítima é uma menor de 17 anos de idade e o violador é um adulto de 45 anos de idade.
A Ntavase em questão, é a mais velha de quatro (4) irmãos. Vivem com a mãe, de 35 anos, num bairro periférico da Cidade de Maputo, numa casa precária de apenas dois cómodos. A fonte de renda da família vem da mãe, que faz a recolha e reciclagem de lixo, alguns negócios e trabalha como diarista, sempre com o apoio da filha mais velha. E foi nesta excursão diária pela busca de do pão diário que a violação ocorreu.
A violação ocorreu no dia 29 de Setembro do ano passado, quando o violador entrou em contacto com a Ntavase para ela lavar a loiça em troca de um certo valor, como várias vezes aconteceu. Quando a menina chegou na casa do seu vizinho por volta das 16 horas, ela questionou sobre o trabalho que deveria fazer. O violador não respondeu e quando ela ia embora ele a agarrou, batendo a cabeça na parede e ela ficou inconsciente e de seguida foi violada.
Já eram 17 horas quando a mãe voltou de mais um dia de trabalho e pediu para uma das filhas ir chamar a irmã, uma vez que o trabalho proposto pelo vizinho era do conhecimento de toda família. Ntavase despertou ao ouvir o som insistente da batida na porta, de uma das suas irmãs a questionar se ela já havia terminado de fazer o trabalho e de tirar as folhas de batata-doce oferecidas pelo vizinho no dia anterior. O vizinho abriu a porta e agarrou na irmã mais nova da Ntavase pelo braço em direção ao terreno onde devia arrancar as folhas de batata-doce. Temendo que o vizinho poderia violar a irmãzinha, Ntavase seguiu os dois e junto a sua irmã tirou da machamba as folhas da batata-doce e voltaram para casa, em silêncio.
No dia seguinte, como de costume, a mãe da Ntavase acordou cedo para mais um dia de trabalho e só retornou por volta das 14 horas onde foi informada que a filha mais velha continuava a dormir. A mãe encontrou a menina em prantos, o que a deixou preocupada. A menina saiu do quarto a chorar e foi interpelada por uma prima onde se abriu contando sobre a violação do dia anterior.
Chocada, a prima contou para a tia, mãe da menina e as duas correram revoltadas em direção a casa o vizinho. Bateram o portão com tanta força que acabou cedendo e caiu. Nisso, a vizinhança aglomerou-se para perceber o motivo de tanta revolta e confusão.
O violador, que se apresenta como docente universitário, bem articulado e que mantém uma boa relação com todos no bairro, negou ter violado a menina e acusou a mãe de estar a tentar obter algum benefício com a acusação.
Depois da confusão, enquanto a família da vítima era consolada por algumas pessoas, o violador foi a esquadra mais próxima e submeteu uma queixa contra a mãe da Ntavase, alegando que ela teria vandalizado sua casa e teria o ferido na perna. O violador exigia uma indemnização pelos danos causados.
Quando a mãe da Ntavase foi a mesma esquadra para submeter a queixa de violação, ela deparou-se com uma intimação para prestar esclarecimentos sobre o caso de agressão contra o vizinho. Ao tentar explicar os motivos qua a levaram a vandalizar a casa, os agentes que atendiam ignoraram completamente suas acusações focando-se apenas nas acusações do vizinho.
Indignada, a mãe deu continuidade a ideia de denunciar o violador, apesar de, na própria esquadra alguns agentes, incluindo mulheres, a incentivaram a desistir do caso. “Não vês que vendeste tua filha? Queriam dinheiro, agora aí está o resultado”, disse uma das agentes. Naquele momento, a mãe da Ntavase percebeu que a batalha pela justiça seria longa e dolorosa, mas nunca passou pela sua cabeça desistir.
Desde 30 de Setembro, quando a mãe da vítima denunciou o vizinho por violação sexual, já foram feitas duas acareações e algumas testemunhas foram ouvidas. A mãe da vítima não sabe em que situação esta o processo visto que ela não tem nenhuma assistência jurídica, mas ela conta que não sabe se a justiça será feita realmente porque várias vezes ouviu o vizinho a dizer que não aconteceria nada com ele por ser filho de um militar e por ela ser pobre.
Hoje Ntavase sofre na comunidade onde é acusada de ter “se oferecido” para o vizinho. Hoje, ela não consegue sair de casa e dentro da própria casa ela se isola. A roupa que ela vestia no dia da violação foi queimada por ela. Em alguns momentos ela torna-se violenta e manifesta a vontade de morrer. E uma das vezes tomou ratex (remédio para matar ratos) para lograr os seus intentos, o que não conseguiu devido a pronta intervenção dos familiares que viram e suspeitaram de que algo de estranho a Ntavase estava para aprontar.
Como campanha, exigimos que a justiça seja feita independentemente da influência que o suposto violador tenha. Que a justiça seja célere e exemplar. Apelamos igualmente a comunidade que apoiem e cuidem das vítimas e sobreviventes da violação sexual. A culpa nunca é da vítima, é sempre do violador.