Campanha "SOU NTAVASE: Fui Violada, Exijo Justiça!"Campanha "SOU NTAVASE: Fui Violada, Exijo Justiça!"Queremos convidar ao prezado Internauta a acompanhar a primeira parte da História da NTAVASE e assim poderá por si fazer a analogia sobre o crime hediondo que foi cometido contra esta menina de apenas 10 anos de idade.


SOU NTAVASE é uma Campanha Contra a Violência Sexual levada a cabo pela Associação Horizonte Azul – ASCHA em parceria com a WLSA Moçambique e o Fórum da Sociedade Civil para os Direitos da Criança.
Esta campanha tem por objectivo de agir contra a violência de género com maior enfoque para a violência sexual, responsabilizando instituições públicas e a sociedade em geral a posicionar-se, falar contra estes males e cuidando de vítimas e sobreviventes, e promovendo debates.
Assim, trazemos a primeira parte desta saga (história verídica), que neste mês será julgado pelas nossas autoridades e esperamos que a justiça seja feita e prevaleça.


                                                                                                                 1ª parte


                                                                                         O caso que inspirou esta Campanha
Num movimento que pensamos ser revelador de maior sensibilidade, os media tradicionais e as redes sociais cada vez mais reportam casos de violência sexual que têm comovido e inspirado cidadãs e cidadãos mais conscientes a posicionarem-se contra estes crimes e a exigirem que as instituições competentes actuem e contenham esta situação.
Esta Campanha também foi despoletada por um caso concreto, a violação sexual de uma menina de 10 anos, por um adulto de 36, a quem demos o pseudónimo de Ntavase para proteger a sua identidade.


                                                                                                             Quem é Ntavase?


Ntavase é mais uma criança vítima de um crime de violência sexual que continua sendo praticado na nossa sociedade, apesar de vários esforços para combatê-lo. Felizmente, ao contrário de muitas outras vítimas e sobreviventes, Ntavase vem de uma família de mulheres fortes que estão incondicionalmente do seu lado, lutando por cuidados médicos e justiça.


Três gerações de guerreiras erguem-se e travam uma luta por cuidados, respeito e justiça
“Nós só queremos que ela volte a ser como era antes, uma menina alegre e cheia de saúde”. Este é o desejo mais profundo de duas mulheres fortes, a mãe e a avó de uma menina, verdadeiras guerreiras. Esta menina, cheia de coragem e de altruísmo para proteger a mãe e a avó, também ela se levanta e luta, tendo tão cedo conhecido a crueldade dos homens. Uma menina que apesar do susto não se deixou vencer, tal como a mãe e a avó.
Por isso dizemos que são três gerações de mulheres guerreiras: filha, mãe e avó, vítimas e sobreviventes da violência sexual, das desigualdades sociais e do sistema patriarcal que estrutura o país e o mundo. Três gerações de verdadeiras heroínas.


Ntavase, de apenas 10 anos, pequena em estatura e em idade, mas grande em personalidade, acções e sentimentos, pois mesmo morrendo de medo e dor, ao ser estuprada por um homem de 36 anos, tio da sua melhor amiga e colega de Escola, no dia 15 de Dezembro de 2019, ficou calada para proteger a vida das duas mulheres mais importantes da vida dela, sua mãe e sua avó. Com efeito, para alcançar os seus objectivos maléficos o violador ameaçou-a, com recurso a uma arma branca (faca), dizendo que se ela contasse o ocorrido para alguém, ele iria matar as três, ela, Ntavase, a sua mãe e a avó.


A busca pela assistência e cuidados nos serviços públicos: Uma alta hospitalar em condições inexplicáveis


Nos dias 15, 16 e 17 de Dezembro, Ntavase permaneceu triste, assustada e com medo, tentando ignorar as dores infernais causadas pelo acto desumano do seu violador. Longe de imaginar qual era o real problema da menina, a mãe pensou que a filha tinha hemorróides, visto que a menina reclamava de dores no ânus, e contando a um vizinho este sugeriu um tratamento caseiro. No final do dia 16, na esperança de amenizar as dores que a faziam lembrar do ocorrido no dia anterior, a pequena guerreira aceitou ser submetida a um tratamento caseiro. Para o desespero da mãe e da avó, parecia que as dores da pequena só aumentavam. Nesses dias, Ntavase perdera o brilho e a alegria de viver que antes a caracterizavam, não queria saber mais das amiguinhas do bairro, nem das brincadeiras de que ela sempre gostou. O sofrimento da neta desolou a avó que decidiu levá-la ao Posto de Saúde mais próximo.


Com dificuldades de dar simples passos e de se sentar, Ntavase esforçou-se para chegar ao Centro de Saúde de Bagamoio, mas continuava dividida, entre a espada e a parede, não sabendo se contava o que aconteceu para receber os devidos cuidados, ou continuava calada para ter a mãe e a avó sãs e salvas ao seu lado.


Os agentes de saúde receberam a menina que, durante o atendimento, se limitava em dizer que doía “lá atrás”. Após a observação, estes perceberam que as dores eram causadas por uma penetração forçada no ânus que havia causado lesões graves, ao ponto de deixar todo orifício anal aberto, o que fazia com que a menina não conseguisse o controlar a saída das fezes. Tudo indicava que ela tinha contraído uma fístula perianal, causada pela violação.
A fístula perianal é uma espécie de ferida que se forma desde a última porção do intestino até à pele do ânus, criando um estreito túnel que provoca sintomas como dor, vermelhidão e sangramento pelo ânus.
O pessoal médico precisava ouvir dela toda a história, como tinha obtido aquelas lesões graves e profundas. Depois de muita insistência entre dúvidas, medos, receios, choros e negações, Ntavase decidiu contar como tudo aconteceu, lembrando cada detalhe e emoções amargas do triste episódio que ela só queria esquecer. Os agentes de saúde accionaram imediatamente a polícia. A avó não queria acreditar no que contaram. Era difícil imaginar que sua única neta passara por tanto sofrimento ainda pequena, indefesa e inocente.


Preocupada com a demora da Ntavase e sua avó, no Posto de Saúde, a mãe, que não pôde acompanhá-las, pois tinha a sua própria consulta, ligou para saber o porquê da demora. De repente, de outro lado da linha, ouviu uma voz estranha, dizendo: “Venha agora”. Cheia de incertezas, medo, com mil e um pensamentos a passarem pela cabeça, a mãe da pequena foi ao encontro das duas.


Ao chegar, foi recebida pela polícia e agentes de saúde, acredita-se que sejam do CAI, (Centro de Atendimento Integrado). Os agentes do CAI orientaram-na a ir ao hospital José Macamo. Ela achou estranho ser a polícia a tratar do caso de saúde da sua filha. Trémula, desesperada e com os olhos cheios de lágrimas, ela ganhou coragem e perguntou: “A minha filha foi violada?” Para o total desespero de uma mãe, os agentes do CAI confirmaram. Sim, a sua filha, a sua pequena Ntavasse, uma menina de apenas 10 anos, tinha sido violada sexualmente! Os olhos cederam e as lágrimas caíram. Era como se o mundo das três estivesse a desmoronar, e não havia nada que elas podiam fazer para reconstruí-lo.


No mesmo dia, Ntavase foi transferida para o Hospital José Macamo. De seguida, recebeu uma outra transferência para o Hospital Central de Maputo, devido à gravidade das lesões, começando assim uma batalha sem fim para as três mulheres, em busca de cuidados hospitalares e saúde. Era a mãe e a avó da Ntavase que, mais uma vez, teriam que sozinhas, batalhar pela saúde e recuperação dela, visto que Ntavase fora abandonada pelo pai mesmo antes de nascer. O pai “abortou-a” logo que soube da gravidez da sua mãe, negando-se a assumir as suas responsabilidades paternais e até hoje, e mesmo diante desta situação triste, ele não presta nenhum apoio moral, financeiro e alimentos.


No Hospital Central, esta foi internada nas Urgências da Pediatria. No entanto, mesmo exposto o caso da menina, não se seguiu nenhum protocolo médico apropriado para as vítimas de violência sexual, e nem um outro tratamento adequado para aliviar as dores e para a ajudar a controlar a saída das fezes, visto que a menina havia perdido a sensibilidade e o controlo das mesmas, que saiam sem que ela sentisse.


A avó, que sempre acompanhou a neta nesta caminhada espinhosa, aos poucos perdia a esperança de ver a sua neta sair com saúde e vida daquela instituição, visto que durante os 7 dias em que as duas estiveram internadas no leito do hospital, Ntavase não recebia nenhuma assistência médica e medicamentosa, a avó convenceu-se de que o problema da neta não teria solução, chegando até a verbalizar para os médica/os, enfermeira/os, que não sabia porque é que a neta estava internada, se não estava a receber nenhum cuidado. A única forma que a menina tinha de se comunicar, pedir socorro, era chorar e aí a resposta não tardava, “não tem medicamento para esse tipo de doença”. Sem aguentar mais ver as dores da neta, a avó juntou todas as forças que ainda lhe restavam e pediu desesperada e encarecidamente aos agentes de Saúde que dessem algo que pudesse acalmar as dores e fizesse com que a neta parasse de chorar e pelo menos conseguisse dormir. Foi quando uma enfermeira aplicou uma injecção e finalmente a menina pôde descansar. Mas o descanso não durou muito, o efeito da injecção passou rapidamente e o martírio voltou passando a ser a sua maneira de ser e estar. No quinto dia de internamento, Ntavase sem apresentar qualquer melhoria teve alta. A situação deixou a família indignada, mas não pôde fazer nada a não ser acatar as ordens da/o médica/o.


Foi este o caso de Ntavase que tanto nos comoveu e inspirou. Se uma menina pode ser tão forte e corajosa, nós, como adultas/os, temos obrigação de mostrar a mesma determinação e empenho para lutar contra a violência sexual, para que outras meninas e mulheres sejam poupadas da sorte de Ntavase.